Planejamento e responsabilidade construindo um mundo melhor
Eduardo Luiz Santos Cabette
Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, Pós-graduado em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial na graduação e na pós-graduação do Unisal e Membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos Fundamentais do Programa de Mestrado do Unisal.
Tema que tem gerado justa polêmica na atualidade é aquele referente à punição dos “atos preparatórios” do crime de terrorismo, conforme dispõe o artigo 5º da Lei 13.260/16.
Segundo esse dispositivo, os atos preparatórios passam a ser punidos com a pena do crime consumado reduzida de “um quarto até a metade”.
O que certamente gera na comunidade jurídica certo desconforto é a inusitada invasão punitivista de fase tradicionalmente considerada impunível do “iter criminis”. A regra é que o “iter criminis” se faça com uma fase de “ante factum” não punível constituída da cogitação (“cogitatio”), ou seja o mero pensamento, a mera vontade psicológica de prática da conduta; passando pelos atos preparatórios, em que o autor ainda não adentra no núcleo do tipo penal. A fase punível vem com os atos executórios, onde pode caber a pena por crime ao menos tentado (artigo 14, II, CP) e com a efetiva consumação (artigo 14, I, CP). Depois ainda vem o “post factum” impunível chamado de exaurimento do crime.
Portanto, a tradição é que os atos preparatórios não constituam ainda fase punível do “iter criminis”. No entanto, vem a Lei 13.260/16 e seu artigo 5º para alterar a situação e prever a punibilidade dos atos preparatórios nos crimes de terrorismo.
Mas, para além dessa inusitada incursão violadora de toda a dogmática jurídico – penal, há algo que é mais grave. Ocorre que a redução de pena para meros atos preparatórios é somente de “um quarto à metade”. Note-se que, segundo dispõe o artigo 14, II e Parágrafo Único, CP, a redução de pena para a tentativa (que vale também para os crimes de terrorismo, já que a lei especial não contém disposição expressa), varia entre “um terço e dois terços”. Ora, é clara e evidente a lesão à proporcionalidade na medida em que se um indivíduo pratica atos executórios de terrorismo, chegando a tentar praticar o crime terá uma redução maior do que se apenas praticar atos preparatórios, sem sequer adentrar na tentativa. Na verdade a dosimetria da redução está de pernas para o ar!
A questão é bem percebida por Martinelli e Schmitt de Bem:
“Acrescenta-se verdadeira violação ao princípio da proporcionalidade na cominação das penas aos atos preparatórios. Na lei não há preceito que regule tratamento punitivo diverso à tentativa. Logo, aplica-se a regra geral contida no Código Penal (art. 12). Com efeito, a tentativa de qualquer das condutas conjugadas (§ 1º com o caput do art. 2º) poderão ser punidas de forma mais branda que um mero ato preparatório dessa mesma ação. Veja-se que o máximo de diminuição de pena pela tentativa corresponde a dois terços, ao passo que a redução pela prática de atos preparatórios é, no máximo, de metade. Tal interpretação parece uma afronta ao princípio da proporcionalidade”. 1
Sem adentrar à questão da legitimidade ou não de punição de atos preparatórios como medida preventiva de Direito Penal, fato é que não há como negar a inconstitucionalidade do dispositivo no que diz respeito à cominação de penas, pois que a afronta à proporcionalidade é límpida.
Resta então tentar acomodar a situação à proporcionalidade e o único caminho que se enxerga é a completa desconsideração da regra de diminuição de pena contida no artigo 5º da Lei 13.260/16, aplicando a redução de acordo com o disposto no artigo 14, Parágrafo Único, CP. Mais que isso, considerando que ali (no artigo 14, II e Parágrafo Único, CP) se trata de tentativa (já atos executórios), até mesmo a equiparação violaria a proporcionalidade. Não se pode tratar atos preparatórios igualmente a atos executórios, a diferença de gravidade impõe diferença de tratamentos. Assim sendo, o ideal seria que no caso dos atos preparatórios a redução aplicada fosse sempre e invariavelmente a máxima contida na regulação da tentativa na Parte Geral do Código Penal, ou seja, dois terços.
Esse ajuste à proporcionalidade já foi levado a efeito de forma semelhante no caso do exagero punitivo do crime de falsificação de produtos terapêuticos e medicinais (artigo 273, § 1º, CP) em cotejo com a reprimenda prevista para o Tráfico de Drogas (artigo 33 da Lei 11.343/06). No caso a primeira pena é muito maior do que a segunda, o que certamente não se justifica. Assim sendo, os tribunais e a doutrina vêm apontando a aplicação da pena do tráfico, visando adequar a situação ao Princípio da Proporcionalidade. 2
Não obstante, o ideal seria que a Lei 13.260/16 houvesse disposto de maneira a levar em consideração o ordenamento jurídico brasileiro de forma sistemática, atentando para a existência de regra para a punição da tentativa no Código Penal e adequando o “quantum” da diminuição do seu artigo 5º de acordo com a proporcionalidade necessária.
REFERÊNCIAS
GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 7ª ed. Niterói: Impetus, 2013.
MARTINELLI, João Paulo Orsini, BEM, Leonardo Shmitt de. Os atos preparatórios na nova Lei “Antiterrorismo”. Boletim IBCCrim. n. 284, jul. p. 11 – 12, 2016.
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