Planejamento e responsabilidade construindo um mundo melhor
LOURI BARBIERO
Desembargador
No Brasil, bate-se na porta do Judiciário para qualquer questiúncula. Há uma “cultura de litigiosidade”, assim como, na área criminal, há uma “cultura de encarceramento”, como se “prisão fosse o remédio para todos os males”. Nos dias atuais, é necessário que se diga, não se compreende a pena de prisão a não ser para crimes hediondos ou equiparados ou cometidos mediante violência ou grave ameaça a pessoa.
A “cultura do litígio” é um dos principais obstáculos a impedir que o Judiciário cumpra a sua missão de fazer Justiça em tempo razoável e de forma satisfatória, atravancando-o e impedindo-o de racionalizar o seu trabalho com economia de tempo e recursos, pessoais e materiais, que poderiam ser concentrados em questões mais relevantes da prestação jurisdicional.
Em ação promovida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), chamada “Não deixe o Judiciário Parar”, acaba de ser lançado, em São Paulo, o "Placar da Justiça"- apelidado de Processômetro. Ele mostra, em tempo real, o número de processos que tramitam na Justiça. O objetivo é conscientizar e esclarecer os cidadãos sobre o número de processos que chegam ao Judiciário de todo o País e quantos desses processos poderiam ter sido evitados. A estimativa é de que já existam mais de 105 milhões de processos em andamento na Justiça (um novo processo chega aos fóruns do Brasil a cada cinco segundos), sendo que mais de 42 milhões deles poderiam ter sido evitados e resolvidos por meio de acordos (uma economia estimada em R$ 63 bilhões para os cofres públicos), se o Poder Público, setor financeiro, empresas de telefonia, de planos de saúde e tantos outros setores cumprissem a legislação e garantissem os direitos dos cidadãos (AMB Notícias, de 29.09.15).
E, de acordo com a projeção apresentada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no VIII Encontro Nacional do Poder Judiciário em Florianópolis/SC (nov/2014), com base na tendência de crescimento da carga processual verificada entre 2009 e 2013, a “cultura da litigiosidade” pode, em 2020, sobrecarregar a Justiça com 114,5 milhões de processos, caso a quantidade de ações que entram na Justiça, a cada ano, siga superando a capacidade de julgar do Poder Judiciário. Além disso, um estoque composto por outros 78,13 milhões de processos chegará ao início de 2020 sem julgamento (http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/62232-qcultura-da-litigiosidadeq-pode-sobrecarregar-justica-com-114-milhoes-de-processos-em-2020).
Essa “cultura da litigiosidade” preocupa a todos, porquanto, num País continental como o nosso, com 205.086.500 milhões de habitantes (http://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/), a persistir esse excesso de litigiosidade, por mais que se estruture o Judiciário de meios materiais e pessoais, dificilmente se conseguirá assegurar a todos o cumprimento do princípio da razoável duração do processo e dos meios que garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal).
Não se nega que é direito constitucional de qualquer cidadão buscar a prestação jurisdicional. No entanto, antes de tudo se deve buscar os meios alternativos de resolução de conflitos, como a conciliação e a mediação, instrumentos efetivos de pacificação social, solução e prevenção de litígios, mais rápidos, eficazes e menos dispendiosos sem dúvida. É preciso ter-se em mente que o fim último da prestação jurisdicional é a pacificação social, que nem sempre é obtida por decisão judicial, porquanto nesta alguém sempre perde, ainda que parcialmente. A conciliação e a mediação, ao contrário, conseguem, na quase totalidade dos casos, não só resolver o conflito de interesses, mas também trazer a paz social, porque é uma solução negociada e não imposta pelo Estado-Juiz.
Mas este cenário começa a mudar. Através da Resolução nº 125/10, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ – instituiu a “Política Judiciária
Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses no Âmbito do Poder Judiciário”, visando a estimular a conciliação e a mediação, mediante campanhas em parceira com todos os tribunais, com o objetivo de disseminar a cultura da paz e do diálogo, desestimular condutas que tendem a gerar conflitos e proporcionar às partes uma experiência exitosa de conciliação. A referida Resolução, além de determinar a criação, por todos os tribunais, de Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos e de Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs), que devem ser instalados pelos Núcleos e que são responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição, regulamentou todos os procedimentos da conciliação e da mediação, bem como a atuação dos conciliadores e mediadores judiciais, impondo princípios e regras, os quais ficarão sujeitos ao código de ética instituído e serão capacitados e cadastrados pelos Tribunais, aos quais competirá regulamentar o processo de admissão, cadastramento, atuação, supervisão, afastamento e exclusão. Essas determinações todas e outras foram incorporadas ao novo Código de Processo Civil, que entrará em vigor no próximo ano, que prevê, inclusive, a existência de câmaras privadas de conciliação e mediação, também cadastradas perante o Tribunal de Justiça, e, no setor público, determinou a criação pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, de câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito da administração pública (arts. 165/175).
No Estado de São Paulo, mais de 150 Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs) já foram instalados (DJE de 14.10.15, p. 01), com altos índices de acordos, mais pré-processuais do que processuais, o que significa uma redução efetiva no número de novas ações que seriam distribuídas e judicializadas (no mês de agosto/15, por exemplo, tivemos 46.439 acordos pré-processuais contra 35.891 processuais – DJE de 11.11.15, p. 01), acordos estes que, homologados pelo magistrado coordenador, têm a mesma validade de uma decisão judicial.
E a “Semana Nacional da Conciliação” (Senacon), realizada anualmente, iniciativa do Conselho Nacional de Justiça por meio da qual tribunais de todo o País promovem audiências de conciliação e mediação, com o objetivo de resolver litígios de forma rápida e sem custos e, consequentemente, diminuir a carga de processos que hoje assola o Judiciário, está em sua 10ª edição (23 a 27.11.15), também com resultados expressivos de atendimento e de acordos (na edição do ano passado, em São Paulo, só na capital, houve mais de 91% de acordos nos casos cíveis e de família, com 2.176 audiências realizadas e 1984 acordos homologados; no Estado foram 25.578 audiências realizadas e 13.056 acordos homologados, com atendimento de mais de 58 mil pessoas – DJE de 11.11.15, p. 01), evitando, com isso, que um número maior de novas ações fossem ajuizadas.
É a “cultura da pacificação social” que começa a se instalar em contraposição à “cultura do litígio”. É o início de uma mudança de mentalidade! E o que ainda resta a fazer? Resta consolidar essa mudança de mentalidade, disseminando e fomentando, junto à sociedade brasileira em geral, através de uma maior publicidade midiática de grande escala, a ideia de que a composição consensual de conflitos é a alternativa ao excesso de litigiosidade, bem como divulgando e especificando, de uma forma mais ampla, os serviços já oferecidos nos Cejuscs. A sociedade brasileira precisa ser sensibilizada, conscientizada e motivada a se autocompor, a conciliar mais, a negociar mais, e não a judicializar toda e qualquer questão, ou seja, a princípio, os conflitos de interesses devem ser resolvidos por métodos consensuais de solução de conflitos, deixando para o
Judiciário, como última instância, apenas a análise e o julgamento das causas mais complexas e de difícil solução; caso contrário, o Judiciário, em breve, entrará em colapso, como bem vislumbrou a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), em sua campanha chamada “Não deixe o Judiciário Parar”.
Por: Louri Barbiero – Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo
(Publicado em: 19.11.2015 - Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-nov-19/louri-barbiero-sociedade-brasileira-judicializar>, sob o título: “Sociedade brasileira precisa negociar mais e judicializar menos”; Publicado em: 20.11.2015 – Disponível em: <http://www.epm.tjsp.jus.br/Internas/Artigos/DirPublicoView.aspx?ID=28763>).
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